Abro os olhos, um pouquinho, acordo. Fecho os olhos, volto a dormir. Me aninho entre os lençóis, os cobertores e os travesseiros, coisas velhas, tudo gasto. Tudo ainda quentinho. Uma das melhores sensações do meu dia, senão a melhor, a mais confortável de longe, onde me preocupo só e absolutamente só com o meu prazer, com o meu bem-estar, com o que eu quero. Não finjo nada, não me pressiono, sou só eu. Me enrolo e aperto tudo em volta de mim, não importa se eu estiver suja, feia e desarrumada.
Nem gosto tanto de me espreguiçar, abrir os braços e me esticar. Sou mais de alongar o pescoço, os ombros e as costas me torcendo na cama, parafusando e desparafusando.
O quarto nunca está totalmente escuro. Uma falha na porta, duas frestas na janela e a fechadura da porta do banheiro, ainda que o outro lado tenha chave.
Acordo (finalmente) e não sei como. Tateio na bancada ao lado da cama, derrubo porta-retratos, encosto em potes de creme, dou socos em bichinhos e pelúcia e apanho os óculos. Procuro no chão chinelos de dedos, vou ao banheiro e faço o que tenho que fazer, ainda que não tenha vontade, lavo as mãos muito bem e vou à cozinha.
Abro a porta da cozinha e ainda como um zumbi, espio para ver se o jornal do dia está em cima da mesa, fechado no plástico. Amo os dias em que eu sou a primeira a ler, mas são raros. Normalmente alguém já abriu, leu algumas partes e dobrou de volta.
Abro o primeiro armário de uma fileira no alto, que é o armário com minha coleção de canecas, e penso no dia que terei pela frente. Esse ritual me desperta um pouco. Analiso se dois gatos pretos de Salem, uma obra de Picasso, um dragão mexicano, a Hello Kitty ou artistas do Cirque du Soleil serão mais apropriados ao meu humor. Escolho uma, encho de leite frio e coloco no microondas, que deixo desligado.
Arrumo a louça que preciso para o café-da-manhã. Um prato de sobremesa, um pires, uma faca de sobremesa e uma colher de chá. Também um canudo, de uma embalagem com quatro opções de cores neon: verde, laranja, amarelo e rosa. Costumo usar bastante o rosa, quase todos os dias, o verde quando o dia será cheio de paixão, o amarelo quando quero dinheiro e o laranja apenas para manter o equilíbrio entre as quantidades. Não gosto de canudos laranjas.
No armário de baixo pego achocolatado em pó. Aquele bom, que já vem com açúcar. O achocolatado que me acompanhou com certeza a vida toda.
Pego o requeijão na geladeira. Adoro requeijão consistente, que não escorre. Tenho comprado mais desse marca em especial, as embalagens de vidro são bonitinhas. Abro um saco de bisnaguinhas e coloco três, exatamente três, no meu prato. Me sento para prepará-las.
Quando estão prontas, levanto e ligo o microondas. Costumava deixar por um minuto e dez segundos, agora coloco sempre por um minuto e dezessete segundos. Corro para sentar assim que aperto o botão LIGAR.
Eu como só uma bisnaguinha durante esse tempo, melecando-a de requeijão nas laterais e lendo o jornal com atenção.
O microondas apita, eu pego com cuidado a caneca, coloco-a no pires. Enquanto como a segunda bisnaguinha, despejo generosas quatro colheres e meia de achocolatado. Quando era mais nova (e menos... apta a agüentar bebidas fortes), eu colocava apenas três, e hoje ponho até cinco quando o dia parecer muito longo.
Se puder, passo a manhã inteira, quase uma hora, lendo todo o jornal, todos os cadernos e muitas, muitas reportagens, matérias e crônicas.
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Esse retrato do meu despertar e café-da-manhã não está correto. Há muitas partes que eu simplesmente não sei descrever, pois não me lembro do que faço com precisão. Só sei que faço tudo automaticamente e do mesmo jeito precisamente todos os dias.
sexta-feira, julho 29, 2011
sexta-feira, julho 01, 2011
Infeliz
Às vezes eu esqueço que estou de moletom em frente ao computador e sonho com um mundo que parece inalcançável, tremendo dos pés a cabeça, com lágrimas nos olhos e engasgada com malditos pedaços de unhas que eu não podia roer de jeito nenhum.
Odeio o meu corpo. Esse pequeno saco de pele e ossos, gostosura, fartura, gordura. Apertado nos jeans, inimigo da passarela e fiel à lycra.
Não cabe em lugar nenhum. Não cabe nos meus sonhos. Tem de mudar.
Odeio o meu corpo. Esse pequeno saco de pele e ossos, gostosura, fartura, gordura. Apertado nos jeans, inimigo da passarela e fiel à lycra.
Não cabe em lugar nenhum. Não cabe nos meus sonhos. Tem de mudar.
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