“Eu não precisaria cursar Medicina e me especializar em cirurgia para entender como era fácil cortar a pele humana, viva, sadia e fresca. Mais simples do que meter a agulha no tecido, mais conveniente do que garfar a azeitona e saboreá-la.”
A faxineira limpava o chão do corredor escolar. Nas salas ao lado, gizes riscavam lousas, conhecimentos que duravam até o apagador fazer-se presente. Chegando ao banheiro, encheu o balde de desinfetante velho, tentou torcer um pano cheio de furos, ajeitou o coque de cabelo que se desmanchava. Abriu a porta que rangeu. As luzes estavam apagadas, os reservados fechados e com a claridade de um dia nublado que entrava pela pequena janela, o máximo que ela notou foi a presença de uma aluna um pouco encostada na parede, quase deitada. O ambiente era silencioso, uma mistura de sono e bebedeira passada que era comum aos estudantes. Não havia fumaça pelo ar, nenhuma bituca no ralo, era cedo ainda. Acendeu os interruptores e com luz, a mulher viu o vermelho chocante que espalhava-se pelo ladrilho.
Houve um grito mal controlado e a mulher fugia pelo corredor horrorizada, deixando caído o esfregão e o balde para trás.
O estilete agora enterrado entre as flores caipiras do jardim encerrou todo o medo sentido e todos os risos ouvidos. Um epitáfio bonito talvez fosse escrito; nada que lembrasse a maldade cometida ou as pragas prometidas, os dias e as noites de sofrimento que a agora vítima proporcionou.
A boca deste quieto corpo que jazia entreabria-se no aparelho fixo. Braços estendidos, o visor do relógio quebrado. A saia do uniforme tinha marcas de puxão e a camisa amassara-se pela força de um chacoalhão. Um cadarço mal amarrado, um salto mais gasto que o outro, entretanto nada disso importava. Em contato com o ladrilho frio e maculado até as pernas das meias 7/8 se manchavam. Olhos fechados agora prestavam contas com o outro mundo. Ainda que nem tenha aproveitado este!...
Enquanto isso a explicação do professor continuava em sua classe, seus cadernos ainda abertos sobre a mesa e a mochila pendurada na cadeira. Uma caneta vermelha e destampada rolou com o vento até cair com a ponta no chão.
Um sorriso macabro fez tremer os lábios do colega que sentava no fundo da classe. Ele queria beber água, mas já saíra dessa mesma aula há pouco.
AMEI.
ResponderExcluirA desde que a Dani me contou que você tinha escrito sobre um assassinato eu tenho esperao por esse post.
Adoro o jeito qué você escreve, oi perfeito para criar o clima do conto!
Curti.
ResponderExcluir