sábado, maio 15, 2010

Gotas que mancham para sempre

“Eu não precisaria cursar Medicina e me especializar em cirurgia para entender como era fácil cortar a pele humana, viva, sadia e fresca. Mais simples do que meter a agulha no tecido, mais conveniente do que garfar a azeitona e saboreá-la.”

A faxineira limpava o chão do corredor escolar. Nas salas ao lado, gizes riscavam lousas, conhecimentos que duravam até o apagador fazer-se presente. Chegando ao banheiro, encheu o balde de desinfetante velho, tentou torcer um pano cheio de furos, ajeitou o coque de cabelo que se desmanchava. Abriu a porta que rangeu. As luzes estavam apagadas, os reservados fechados e com a claridade de um dia nublado que entrava pela pequena janela, o máximo que ela notou foi a presença de uma aluna um pouco encostada na parede, quase deitada. O ambiente era silencioso, uma mistura de sono e bebedeira passada que era comum aos estudantes. Não havia fumaça pelo ar, nenhuma bituca no ralo, era cedo ainda. Acendeu os interruptores e com luz, a mulher viu o vermelho chocante que espalhava-se pelo ladrilho.

Houve um grito mal controlado e a mulher fugia pelo corredor horrorizada, deixando caído o esfregão e o balde para trás.

O estilete agora enterrado entre as flores caipiras do jardim encerrou todo o medo sentido e todos os risos ouvidos. Um epitáfio bonito talvez fosse escrito; nada que lembrasse a maldade cometida ou as pragas prometidas, os dias e as noites de sofrimento que a agora vítima proporcionou.

A boca deste quieto corpo que jazia entreabria-se no aparelho fixo. Braços estendidos, o visor do relógio quebrado. A saia do uniforme tinha marcas de puxão e a camisa amassara-se pela força de um chacoalhão. Um cadarço mal amarrado, um salto mais gasto que o outro, entretanto nada disso importava. Em contato com o ladrilho frio e maculado até as pernas das meias 7/8 se manchavam. Olhos fechados agora prestavam contas com o outro mundo. Ainda que nem tenha aproveitado este!...

Enquanto isso a explicação do professor continuava em sua classe, seus cadernos ainda abertos sobre a mesa e a mochila pendurada na cadeira. Uma caneta vermelha e destampada rolou com o vento até cair com a ponta no chão.

Um sorriso macabro fez tremer os lábios do colega que sentava no fundo da classe. Ele queria beber água, mas já saíra dessa mesma aula há pouco.

2 comentários:

  1. AMEI.
    A desde que a Dani me contou que você tinha escrito sobre um assassinato eu tenho esperao por esse post.
    Adoro o jeito qué você escreve, oi perfeito para criar o clima do conto!

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