quarta-feira, abril 28, 2010

O resto das minhas férias passadas

Sentava-se na porta de entrada, nem dentro nem fora de casa. O olhar fitava as folhas das árvores ao longe, que farfalhavam calmamente, e pelo reflexo dos óculos ela via a garagem machada de óleo sendo varrida. Carros passavam na rua, não que algum deles fosse lhe trazer alguma solução. Ela continuava ouvindo, além do suave ruído do varrer contínuo e dos piados dos passarinhos escondidos nos galhos, barulhos do computador. Estava ficando paranóica, louca. O computador estava desligado, pois ela não tinha tido coragem de ligá-lo ao amanhecer como de costume. Mas os barulhos continuavam em sua cabeça, ecoando sem parar. Ela estava arrepiada de frio, mas do que adiantava entrar em casa se dentro dela havia o mesmo ambiente gelado? Não podia ficar mais doente do que já estava com aquele ventinho fraco. Tinha tantas coisas pra fazer, tantas caixas pra arrumar, mas vivia no tédio e na solidão, sem mexer um músculo ou falar uma palavra a mais do que o necessário. Sabia que se arrependeria depois, mas por enquanto aquilo não tinha remédio.

terça-feira, abril 20, 2010

Minhas férias passadas

A angústia prendia os músculos, espalhava-se por seu corpo como um veneno. Seu olhar não tinha o brilho de antes e estava sempre à procura de uma resposta. A boca se contraía, não era possível imaginar que algum dia houve um sorriso ali, ela queria chorar, mas um grito mudo arranhava-lhe a garganta. Sua mente tão brilhante trabalhava como a de um animal encurralado, pensando em opções e saídas que àquela altura não existiam em abundância. Sentia-se solitária, sem poder pedir colo e sem um ombro para chorar. Enterrava as mágoas no fundo de seu pensamento, escondia os medos dentro de uma gaveta, esperando que eles desaparecessem como que por mágica. Justamente por não acreditar em ilusões, nada deixava a garota em paz. A dúvida sobre seu futuro tirava-lhe o sono e a atenção às coisas mais simples. Seus momentos de extrema e pura felicidade não eram tão presentes, se camuflavam pela razão. Qualquer simples tarefa incomum a tirava do sério e a sensação de dever cumprido não lhe dava prazer nenhum. Não se sentia relaxada nem em seus sonhos, pois eles eram todos pesadelos dos quais acordava cada vez mais escondida dentro de sua pequena grande alma. E o tempo não andava.
(Escrito no ano retrasado, acho)

sábado, abril 17, 2010

Bonequinha

E ele possuiu-me; o ato dessa vez o cansara, o extenuara, ao mesmo tempo em que pedia por mais, ansiava pelo fim. Meu rosto, imortalizado no susto, para sempre de boca aberta e receptiva, permanecia quieto. Meus cabelos, definitivamente amarelos, nem saíram do lugar.

Enfim, ele acabara.

Deitou ao meu lado, acendeu um fumo. Não me ofereceu: fumar com certeza queimaria meus lábios, destruiria o que eu era por dentro, ainda que pouco, só ar. Poluiria o que sobrara de intocado, minha alma, aonde ele não conseguia chegar.

Ele, embriagadíssimo, tinha me jurado paixão eterna há mais ou menos meia hora, mas já me desinflava. Cansado da minha pele emborrachada, do prazer solitário. Eu lhe trazia amor e fidelidade, ainda que precários, mas ele me julgava oca.

Resmungava baixinho, eu percebi. Essas idas e vindas de dedicação minha e desprezo dele tinham se tornado mais freqüentes agora que ele não tinha mais namorada. De vez em quando eu me conformava em ser realmente só isso, em outros tempos lágrimas que ele considerava falsas escorriam de saudade quando o imaginava com outra.

No fundo, a solidão em que eu costumava viver se satisfazia sempre quando havia a oportunidade, fosse com o que fosse. Conheci-o numa festa, estava largada num canto e ele chegou. Bastaram alguns drinks, um olhar cheio de charme, nenhuma conversa e eu aterrissava em sua cama. O que em mim era diferente, me fez presente tantas vezes? Ele nunca me contou.

Apagou o cigarro e virou pro outro lado; nem beijo de boa noite eu recebi. Ainda que eu recebesse sempre algum carinho no começo, imediatamente ele quis que eu dormisse, sumisse, ali não acordasse. Eu teclei um pouco no celular, me ajudaria se isso espantasse a falta de sono. Mas o silêncio do mundo, que dormia de conchinha com quem amava, esmagou-me de um jeito... Se aquilo parecia uma meiga fantasia para tantas outras garotas, tinha se tornado um pesadelo que me acorrentava ao nada, eu andava pelo vazio de um precipício a cada beijo mentiroso. E já durara noites demais.

Encará-lo, tão lindo, dormindo, e dizer adeus?

Soprar desculpas dentro de mim e não senti-las, bombear-me com máquinas de emoção que em qualquer uma serviam, tratar-me mais uma vez como bonequinha: eu não toleraria mais nada disso vindo de ninguém.

Tremi e enfiei os saltos de qualquer jeito, não olhei no espelho para não ter vontade de retocar a maquiagem e demorar ainda mais. Peguei sua carteira e deixei cair com cuidado na privada: se a água não danificasse nenhum cartão de crédito nem o couro de crocodilo, ele não a pegaria por nojo. E aí sim ele se recordaria de mim, mesmo tendo esquecido meu nome mais de uma vez, no fundo só lembrando quando se esforçava muito e não estava de porre.

Eu havia sido só mais uma de suas bonecas, encantadas por... por ‘o que’?, hoje me pergunto.

sexta-feira, abril 09, 2010

E no escuro...

- Amor?

- Que é?

- Me ajuda.

- O que foi?

- Levanta!

- Pra quê?

- Abre os olhos. Sai do sofá. Me ajuda!

Ele acordou da desconfortável soneca no sofá da pequena sala de tevê. Breu. Não enxergava um palmo a frente do nariz. Só o rosto da mulher iluminado pela luz de uma vela.

- A luz acabou. Não ouviu o estrondo do transformador da rua? Estou com medo que ela volte com força e queime os aparelhos. Tem que tirar tudo da tomada.

- E já fez?

- Eu não! Meter a mão atrás dos móveis, entre os eletrodomésticos, chegar perto da caixa de luz? Vá você e vá logo.

Bocejou. Mulher complicada essa... Agora, sentada na mesa da cozinha, apenas com a face cheia de luz, lembrava a imagem de uma santa.

Arnoldo preparava-se para a caça aos fios a puxar e já tendo que se conformar em desatar nós de cabos e cabos:

- Vê bem: não esquece do filtro de linha do computador de novo! - ela gritou da cozinha.

Ele ainda não se acostumara ao escuro, se espantava quando a luz não ligava se apertava os interruptores. Batendo a canela nas quinas dos móveis, agachava-se, desplugava um aparelho atrás do outro: televisão, aparelho de som, DVD, bateador elétrico, secador, chapinha, depilador elétrico, foi chegando à cozinha. Torradeira, microondas, forno elétrico, geladeira, freezer, liquidificador, batedeira. Alguns foram presentes de casamento, outros, puro capricho da mulher - necessidades que ela não necessitava.

Chegou à caixa de luz. Como podiam existir teias de aranha ali? Espantando uma mariposa que vagava sem direção, desligou a força total da casa. Um zumbido e silêncio.

Sentou-se a mesa com sua mulher, plena escuridão em volta. Sentiu-se melhor assim. Na leve penumbra não enxergava nenhuma cicatriz de plástica e não difenciava as mechas do cabelo tingido do natural. Soprou a vela. Beijou-a.

quarta-feira, abril 07, 2010

Perucas da vida

Adquiri um confuso medo de cortar o cabelo, concretizado após o 3º péssimo corte que deixaram em minha cabeça (sem contar uns dois que eu mesma aprontei). Assim, passei a cuidar sempre ao máximo da juba, para que a boa aparência dos fios resolvesse o aparente descaso com o tamanho da cabeleira. Mas o problema tornou-se incontrolável: muito gasto com produtos; muito tempo em tentar arrumar, pouco em que o cabelo aguentava em boas condições. Chegou o momento em que comecei a andar de nariz em pé, para tentar ver o mundo por baixo da burca capilar que caía nos meus olhos. Seria complicado colar nos provões da escola. E ver os postes na calçada. Com um galo a esconder, adiei ao máximo a 'tosa completa'.
A desculpa era dinheiro. Mas minha avó achou um salão baratinho e me levou até lá amarrada no banco do passageiro. Desprendeu-me, entramos na pequena casa e surpresa: a moça da recepção seria a que "apararia minhas pontinhas (duplas)". Evitei olhá-la muito, não queria ver seu cabelo nem saber de qual maluquice aquela mulher era capaz de fazer consigo mesma, pois imagine o que faria com outra pessoa...
Sentei. Suava frio. Mesmo. Coloquei no pescoço aquele grande tecido branco como uma corda no pescoço. Fechei os olhos, esperei a montanha-russa começar a acelerar e senti a mão tremer. Pode? E minha avó lia uma revista de fofocas, mais relaxada do que nunca. Ana, como se apresentou, borrifou água em minha franja, penteou e mandou ver. O espelho (e meu reflexo aterrorizado) se escondia atrás dela. Eu só via pedacinhos de fios caindo em meu colo. Ela passava confiante a navalha pelas pontas. Só uma leve desfiada, como era antes. Me deixou contemplar sua obra em minha cabeça por alguns segundos e voltou ao trabalho (e durante o tempo livre que tive cocei os olhos, não vi nada).
O resto é quase um branco. Deletei o resto da experiência. Achei melhor não me encarar de cara nova, só tirei uma foto e agora compartilho com vocês um resultado que ainda não vi e que só verei quando sentir que o cabelo crescer bastante. O que acham?