quarta-feira, abril 29, 2009

Prova de Redação - 14/04/09 - Nota: 6,7

A moça morava perto de um antigo cemitério, no Rio de Janeiro. E quem morava por ali tinha conhecimento da morte, pois toda hora um enterro passava. Observá–los era para ela uma diversão.
Para a moça não interessava a exuberante natureza da cidade, não importava o mar espumante que lambia a areia, próximo à sua casa. Sentia–se em paz quando deslizava pelas ruazinhas brancas, mergulhada em seus pensamentos, sem se importar com ar tétrico que emanava do chão. Olhava uma inscrição aqui, descobria uma figura de anjinho ali, olhava retratos apagados pelo tempo, fazia conta da idade dos mortos. Às vezes, subia o morro, onde estava a parte nova do cemitério, e os túmulos mais modestos.
Não se importava com os muitas vezes maldosos comentários da vizinhança idosa naquele quarteirão. Em sua liberdade modesta, aproveitava o tempo principalmente navegando pelos rumos da morte.
Era realizado um velório, no horário de almoço daquela tarde. Ela já pensava salivando em seu macarrão mal cozido e sem molho, contudo ficou, pois a presença apenas de mulheres, aparentemente novas como ela, carregando solitários girassóis, a intrigou. Vestidos negros eram arrastados no chão, nenhuma lágrima caía; uma legião de amantes que o homem colecionara?
Quando o caixão finalmente desceu, elas deixaram em volta do jazigo sem inscrição alguma todos aqueles girassóis. De tão amontoados, um rolou por sobre os outros, ficando sozinho na grama. A moça o recolheu, e dedilhando suas pétalas, caminhou para casa.

Sete horas da manhã. A hora de levantar para caminhar até seu simples trabalho como caixa em um mercado do bairro. Mas ao invés de acordar nada delicadamente com o despertador, abriu os olhos e leu no rádio–relógio: 6:59AM.
Virou–se de barriga para cima e encarando o teto aguardou um minuto. Porém, foi o telefone que lhe tirou a preguiça. Ele estava no criado–mudo junto ao girassol, e quando ela o atendeu, a flor caiu ao chão.
–Peço perdão, senhorita gentil, mas precisa–me devolver a flor. Nada de mais, apenas uma formalidade, porém imprescindível. Imploro–lhe este ultimo ato de bondade, querida!
Tão logo ela atendeu, tão logo desligou. Ora, que diabo de irmão ela tinha! Brincadeiras tão tolas logo pela manhã! Nunca usava a razão. Ela não perdoava o fato de ele estar na sua inicial juventude; esperava dele alguma noção do perigo em que se metera tentando assustar a irmã.
Em sua visita ao cemitério naquela tarde, quando a noite já se fundia ao dia, ela notou que os girassóis continuavam tão vivos quanto no dia anterior, apesar de não terem sido regados ou trocados. Tão bela, a morte que às vezes não quer nos levar...

Não tocou no assunto com seu irmão durante o jantar; aliás, mal tocou na comida. Um forte enjôo a atingiu e ela nem cogitou comer. Logo estava em seu quarto, brincando com o brilhante girassol que tinha guardado na gaveta do criado–mudo. Cheirava–o, mas ele não tinha um aroma conhecido, tinha o cheiro do passado. Enquanto refletia sobre isso e sobre a novela que esquecera de assistir, enroscou–se nas cobertas e em seguida adormeceu.

A contragosto, abriu um olho já se sentindo atrasada. Lembrava–se muito bem do aviso do gerente: “A pontualidade é a maior virtude que se pode praticar, principalmente dentro deste estabelecimento. Mais do que isso, nosso slogan e blábláblá...”.
Com raiva agarrou o preguiçoso rádio–relógio, esbarrando no girassol e fazendo–o cair no chão.
Os números brilhavam azuis: 6:59AM.
E o telefone tocou.
–A flor, te lembras? Envergonho–me de tal insistência, mas necessito dela, por favor! Se pudesse me entender, talvez você...
A moça puxou o foi da tomada. Nenhuma ligação a acordaria antes da hora no dia seguinte, pois elas não seriam recebidas. Simples assim.
Ela passou o dia nervosa. Piorou quando teve que trocar o encontro relaxante com os mortos por uma visita à avó doente no hospital. Tão entubada e quieta que a vida parecia apenas um termo médico. A moça não via razão para manter a em outros tempos tão alegre vovó naquela prisão de vida e de morte.
Ao colocar o pijama naquela fria noite, verificou mais uma vez se o telefone estava desligado. Sim, estava. Por via das dúvidas, colocou–o também em cima do armário. Apenas por precaução, claro.

Ela não costumava ter pesadelos, só quando repetia a buchada que sua mãe fazia no jantar, porém chegou a suar frio naquela noite. Por acordar durante a estranha perseguição da qual fugiu, não se lembrava de nada. Apenas arfava e sentia o coração a mil.
O telefone tocou,
A moça, tão estupefata, esperou o segundo toque para pular da cama e alcançar o telefone, que ainda repousava sobre o armário.
–Rápido, moça! Respeito sua, hm, lentidão, porém não posso mais suportar! Acorde para si mesma! Deixe de se esconder e...
Ela gritou do fundo de seu coração e desligou o telefone. Tremendo, agachou–se rente à parede e como uma criança enterrou a face nas mãos.
O girassol, tão intenso quanto no dia em que ela o recolhera, a encarava do tapete. Na penumbra, a flor brilhava tanto que parecia que o verdadeiro sol vinha dela.

Vestiu rápido um roupão e delicadamente abriu a porta: atravessaria a rua e deixaria o girassol sobre o túmulo. Era essa a única saída.
Alheia a duas senhoras apontado e fofocando sobre ela, empurrou o pesado portão e caminhou pelas ruazinhas. Encontrou o túmulo tão morto como antes, coberto pelos mesmos girassóis. Infelizmente, a moça não notou o quanto pareciam mais... mortos.
Sentou–se e acariciou a pedra fria. Estava em paz, sozinha. Fechou os olhos. Relaxou o corpo e deixou o girassol cair da mão esquerda.
Uma voz entrou por seu ouvido e uma mão pousou sobre seu ombro: era ele, Carlos, seu namorado que ela não via há muitos anos.
–Até que enfim você veio, minha flor.
Carlos, há tempos havia sido dado como morto. Porém não mais para ela.
A moça o abraçou e o beijou, enquanto uma brisa levou para longe todos os girassóis.



Partindo do início e fim de uma narrativa de Carlos Drummond de Andrade, elabore o conto seguindo orientações...

segunda-feira, abril 20, 2009

Stargirl

A lua parada no céu
Pregada como um quadro eterno na noite escura
Brilhante testemunha até o amanhecer
Iluminando minha vida e meus erros.
Dona na própria verdade
E da imortalidade das estrelas
Eu aperto com os dedos o papel
E peço a você, lua,
Que presencie interruptamente o meu sofrer
E preserve para sempre minha paixão.