quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Árvores

Terminei, com lágrimas nos olhos, de escrever aquela pesada carta a você, no escritório iluminado e abafado. Olhei o céu por uma fresta na janela coberta com grossas cortinas: estava índigo, um tom de azul diferente, e as nuvens roxas; não havia anoitecido completamente, de modo que o sol se punha grandiosamente no oeste. Eu imaginava não encontrar nenhuma estrela no céu.

Desci as escadas em frente à porta da cozinha devagar, estudando cada degrau. Dois cãezinhos me esperavam loucamente atrás de um portão no meio da escada que os impedia de subir e entrar. Fechei-o quando passei, sentei no chão, contemplando a noite quente, o ar limpo, o vento forte batendo em meu rosto cansado; sentia-me na praia novamente, olhando o infinito e não conseguindo distinguir céu de mar. Os dois filhotes pulavam insistentemente e mordiam os botões da minha blusa. Precisavam de um banho, mas eu não me incomodava com seu cheiro. Tentei aninha-los em meu colo, mas seu crescimento absurdamente rápido não permitiu que os dois se ajeitassem confortavelmente ao mesmo tempo. Decidi andar pelo jardim.

O gramado denso e verde, que escondia milhares de insetinhos e outros animais nada agradáveis, estava bem escuro; nenhuma luz estava acesa e eu não pretendia clarear aquela noite tão agradável; pois por mais que houvesse algo que pudesse me amedrontar no meio do mato, eu não sentiria medo, afinal, não o veria!

Escalei devagar a árvore enorme que se apoiava no muro branco. Subindo um centímetro de cada vez, sem pressa, descobri como meus braços tinham ficado fortes e que agora sustentavam o peso do eu corpo sem o menor problema. Eu ainda não aparentava ter esses músculos, mas daqui para frente os exercitaria cada vez mais.

Eu esperei longos meses pela primavera; e agora que ela chegou, não sei descrever como é estar no meio da copa de uma árvore toda florida, tão cheia de folhas que não se enxerga o céu. Eu não alcançava nenhuma flor, o que só me fazia quer ir mais e mais alto.

Não percebi o quanto estava longe do chão. De repente dei de cara com um galho onde tinha amarrado uma fita colorida, indicando o lugar mais alto onde eu me atrevi a subir. Senti vontade de passá-la e amarrar algo novo num ponto mais elevado, delimitar um novo fim para a minha loucura, mas os galhos finos não suportariam meu peso de jeito nenhum. Arrisquei um olhar para baixo, e graças ao escuro quase total, não percebi o quanto estava realmente alto. Não tenho muita noção de espaço, mas acho que estava a uns seis metros do chão, mais ou menos.

Desci devagar, aproveitando o sossego, após vários minutos sentada sozinha ali em cima, e percebi com uma das melhores sensações do mundo que meus pés já conheciam o caminho: descansavam nos galhos certos, testavam sempre as reentrâncias infiéis do tronco, trocavam-se num piscar de olhos para que eu achasse apoios... Eu não sentia mais nojo da árvore, ou dos insetos que corriam por ela ou a faziam de casa, nem da fina camada verde que a cobria. Antes, eu usava grossas luvas de jardinagem, mas o que mais quero agora é senti-la.

Larguei-me no chão escuro. É, eu ainda tenho muito medo de altura, mas sei que aquela árvore não vai me deixar cair nunca. Por isso não dou ouvidos aos meus receios quando tenho em quem confiar...

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