- Tenho uma novidade pra te contar. É
quase boa demais pra ser verdade.
Ela equilibrou o telefone no ombro
enquanto abria uma cerveja:
- Não acredito! Eu também tenho uma
novidade. Tô feliz demais. Manda a sua primeiro.
- Espera, quero ir até aí te contar. Você
tá em casa?
- Ixi, estou na praia... Cheguei hoje pra
ficar até domingo.
Ele olhou em volta. Estava na fila do
supermercado:
- É... (Empurrou o carrinho.)
- É o quê? Pode falar.
- É... em que praia você está?
- Guarujá. Tá um sol, o máximo. Me dei
esse tempo de presente.
Ele arriscou:
- Você se incomoda se eu for praí?
Uau!
- De jeito nenhum! Vem sim, sem problemas.
Eu nunca soube se você gostava de praia.
- Gosto sim. Quer que leve alguma coisa?
Tô no supermercado.
- Acho que não precisa. Pode vir.
- Então tá bom. Você pegou trânsito?
- Só depois de Cubatão. Mas vim rápido, não
demorou muito.
- Ok. Me manda o endereço certinho. Logo
mais estou aí.
- Legal! Vem tranquilo. Qualquer coisa me
liga, não manda mensagem, eu não escuto o celular.
- Tudo bem. Até daqui a pouco.
- Até.
UM ANO ANTES:
- Posso te perguntar uma coisa? Sei que
você é amigo dela. Acho que ela gostou de mim, né? O que você acha?
- Acho que sim. Vai lá, ela é bem legal.
- E aí, você me passa o telefone dela?
- Ah, ela tem namorado. Desculpa.
- Ué, sério? Deve ser aberto...
Ele bebeu um gole da caipirinha:
- Sei não. Mas não custa nada. Vou te
mandar.
- Valeu! Você sabe o que ela gosta de
tomar?
- Hm... um Cosmopolitan. Ou um Martíni,
acho melhor um Martíni. Boa sorte.
Ele esperou meia hora, pegou dois chopes e
uma água e foi procurá-la:
- Toma a água primeiro, acho que você
precisa.
- Obrigada, que troço amargo. Quem toma Martínis,
além da Jane Fonda?
- Sei lá (rindo).
DOIS ANOS ANTES, POR MENSAGEM DE TEXTO:
12: 49 - Oi, tudo certo? Queria te
convidar para um negócio, mas pode pensar à vontade antes de responder, não tem
problema.
Minha festa de formatura vai ser daqui a
um mês, eu nem ia participar, mas meus amigos deram um jeito. Até aí tudo bem, só
preciso ajustar um vestido. O que eu não queria era participar de nenhum
cerimonial, nada disso, eles disseram que tudo bem, não preciso fazer quase
nada na festa. A única parte da qual eu não consegui fugir foi a maldita valsa,
quando eles chamam os nomes de todos os formandos para dançar e tal.
Normalmente as pessoas dançam com o pai ou
com a mãe, irmão mais velho, qualquer coisa assim. Enfim, minha família não
vai, preferi não chamar ninguém. E todos os meus amigos que poderiam dançar
comigo já tem par, porque eles mesmos estão se formando.
Bom... Você toparia dançar comigo? Convite
na faixa, só o terno que não. Se não der, não tem problema. Mesmo. Vai ser dia
30 de setembro, no mesmo lugar da sua formatura.
Pensa aí, você me fala quando puder.
Beijos.
12:52 – Oi. Fechado. Claro que vou.
Depois te ligo pra gente combinar. Beijo.
TRÊS ANOS ANTES, POR MENSAGEM DE ÁUDIO:
19:30 - Feliz aniversário de um ano do PT
do seu carro! Que o EcoSport esteja em paz no paraíso dos carrinhos destruídos,
com os anjinhos cantando pneu.
Brincadeira... Tô feliz que você está bem,
de verdade. Bora seguir em frente! Mas um pouco mais devagar, por favor. Beijos.
QUATRO ANOS ANTES:
- Senhora, precisamos de um familiar
pra liberar a internação.
- Pode assinar no meu nome (sem fôlego),
pode me pôr, juro por Deus. Eu não consegui ligar para os pais dele ainda,
porque o número está no celular dele e eu não tenho a senha. Mas tá tudo certo.
Já estou vendo com um amigo nosso, ele está vindo pra cá e vai falar com os
pais dele.
- Então por enquanto vou deixar o nome
da senhora.
(Ela tremia inteira.)
- Vou pegar uma água com açúcar pra
senhora.
- Obrigada. Vou ficar com ele na emergência.
Eu arranjo um cantinho, juro que não atrapalho. Por favor.
Ela conseguiu um espaço para ficar de pé ao
lado direito da maca, sem encostar em absolutamente nada. Mas a mãozinha dele
nesse lado estava toda enfaixada, não tinha como ela segurar.
CINCO ANOS ANTES, POR MENSAGEM DE TEXTO:
05:10 – Essa mensagem foi apagada.
Essa mensagem foi apagada.
Essa mensagem foi apagada.
Essa mensagem foi apagada.
08:54 – O que você queria dizer?
15:02 – Foi por engano, desculpa. O que eu
queria dizer é que não estou mais bravo com você. Espero que você esteja bem.
22:36 – Eu estou bem, espero que você
esteja bem também. Como estão as coisas?
23:58 – Péssimas, pra ser sincero.
23:59 – Me conta.
SEIS ANOS ANTES:
- Por que vocês brigaram, na verdade?
Silêncio na mesa. Todos os convidados
sabiam, só a novata, namorada de um deles, que não.
Ela limpou a garganta:
- Não tem problema. A gente não se dava
bem. Só paramos de nos falar. Foi melhor assim.
A novata a puxou no canto, comeu um
amendoim e falou de boca cheia:
- Eu o conheci semana passada e ele
falou muito mal de você. Achei um absurdo. Foi por isso que te perguntei hoje.
Desculpa se ficou um climão.
Ela levantou a sobrancelha:
- Não tem problema. Não somos mais amigos.
Acontece.
Tomou um gole de cerveja e frisou:
- Mas desejo tudo de bom pra ele. Que vida
complicada.
SETE ANOS ANTES:
- Você está um arraso. Não vejo a hora
de te levar pra casa...
- ...
- Fazer tudo o que eu quero com você...
- ...
- Você não vai aguentar esperar aqui...
- ...
- Eu quero você mais do que tudo, cê
sabe...
- Um minuto, amor, vou pegar uma cerveja.
Saiu de cabeça baixa daquele abraço suado,
se sentindo muito gostosa, mas também uma mentira. Queria ficar bêbada logo.
Talvez fosse melhor pedir uma tequila.
Ela se enfiou na muvuca do bar. Quando
apoiou o cotovelo na madeira, abanando a comanda para chamar o garçom, quem a
olhava na outra ponta do balcão?
Ele estava de moletom, mas era o mesmo. Parecia
ter raiva.
Ela virou o rosto e pediu duas tequilas.
Tomou ali mesmo e voltou para o seu namorado.
OITO ANOS ANTES:
- Me solta! Tá louca?
- Seu idiota... Eu te odeio.
- Me deixa em paz. Por favor.
- O que você queria comigo?
- Eu não sei. Me desculpa.
- Nunca mais encosta em mim.
- Foi você que veio aqui.
- Você é um lixo! Não quero te ver nunca
mais.
Ela virou as costas e foi embora. Ele deu
um soco na mesa:
- Sua vaca!
NOVE ANOS ANTES:
- Você já conhece a...
- Como assim? Eu já conheço essa aqui faz
tempo!
- Somos melhores amigos! Você não sabia?
- Não, eu não sabia...
- Quer apresentar o bacon para o toucinho...
Abraçaram-se e ela falou para o cabelo
dele:
- E aí, como você está?
A moça que não sabia da amizade entre eles
ficou sobrando e se afastou. Ele sorriu e fez que não com a cabeça:
- Tomei um pé na bunda. Mas eu mereci.
- Mas que coisa! O que você está bebendo?
Que coisa! Se quiser, pode falar.
Ele respirou fundo. Começou a contar, ia e
voltava na conversa. Eles passaram uma hora sem levantar, enquanto as pessoas
mudavam de mesa e de papo na festa. Ela pediu licença para ir ao banheiro,
voltou e ele tinha pedido batatinhas.
Comeram todas as batatas sozinhos. Tomaram
cerveja, ele levantou para ir ao banheiro, ela olhou rápido o celular. Ele
voltou e continuaram a conversa por mais duas horas, sem ninguém interromper,
nem para dar tchau.
Eles foram os últimos a sair, fecharam o
bar depois do aniversariante. Foram rindo até o ponto de táxi, tentando se
equilibrar no meio-fio. Na esquina seguinte tinha outro boteco. Ela sentou numa
cadeira só para amarrar o tênis e ele aproveitou a deixa: pediu mais uma
garrafa.
- É... eu não quero ir embora.
- Nem eu.
DEZ ANOS ANTES:
- Lu, esse é o amigo que eu te falei!
Daniel, vem cá!
- Não ouvi! Qual o nome?
- Daniel! Prazer, Lu!
- Gabriel? Prazer!
- Não, é Daniel!
- Ah, Daniel! Desculpa!
- Não tem problema!
- Legal! O que você está tomando?
- Oi?
- O que (mãozinhas para cima) você
(apontou para ele) está bebendo (mãozinha virando um copo imaginário)?
- Nada! (Ele fez que não com o dedo.)
- Toma cerveja?
- Sim! (Ele não entendeu a sugestão, mas fez
um sinal de positivo.)
- Vou pegar duas! Espera aqui!
Ela desapareceu.
Ele ficou com duas meninas, dançou pra
caramba e já estava na fila para pagar, perdido de todos os amigos, quando
alguém tropeçou na escada. O sapato foi parar aos seus pés.
- Ei, Lu, você sumiu. Cadê minha cerveja?
- Minha... cerveja... Oi. Daniel, né?
- Claro. Você está sozinha?
- Não, o Theo, aquele que apresentou a
gente, deve estar por aí. Ele ia me dar carona pra casa.
Ele já foi. O que eu faço com essa
menina?, Daniel pensou. Com certeza menor de idade. Absolutamente linda.
- Quer comer alguma coisa?
- Oi?
- Comer! Alguma! Coisa!
- Hambúrguer!
Perfeito. Entraram no táxi, ela estava tão
feliz. Ele também.